quarta-feira, 11 de julho de 2018

A exploração social como principal causa do aumento das desigualdades

Este artigo mostra que a principal causa do crescimento das desigualdades se deve à influência que o mundo do capital exerce sobre os Estados, maior que a que tem o mundo do trabalho, o que determina que os lucros do primeiro se realizem à custa dos salários dos segundos, com uma enorme concentração dos rendimentos do capital



O enorme aumento das desigualdades, em rendimentos e riqueza, que ocorre na maioria dos países dos dois lados do Atlântico Norte (América do Norte e Europa Ocidental), desde os anos oitenta do século passado (quando se iniciou a era neoliberal, com o Presidente Reagan, nos EUA, e com a Sra. Tatcher, na Grã-Bretanha), explica que estas desigualdades tenham alcançado níveis nunca vistos desde os princípios do século XX. Esta situação gerou uma certa preocupação, inclusive no centro de reflexão neoliberal, conhecido como Fórum de Davos, onde os representantes dos poderes financeiros (que criaram a crise) e económicos se reúnem com políticos, economistas e académicos afins e servis aos seus interesses, para discutir os principais acontecimentos do mundo e ver como lhes hão-de dar resposta, de forma a garantir a continuidade dos seus interesses. Mas, não só em Davos este interesse existe. O tema das desigualdades converteu-se num tema central, de frequente análise e informação, no mundo ocidental. Espanha, cujo clima intelectual e político é muito conservador, anda sempre atrasada na visibilidade mediática dos grandes temas que absorvem a atenção mundial. Sendo este país um dos que tem maiores desigualdades, na UE a 15, é possível que, pouco a pouco e a conta-gotas, comecem a aparecer alguns artigos sobre estes temas, nos maiores meios de informação e persuasão.
Nos estudos destas desigualdades, que vão aparecendo na América do Norte e na União Europeia (entre os quais, há que destacar Capital in the XXI Century, de Thomas Piketty), documenta-se a sua evolução e, em muitos deles, acentua-se, com razão, a importância que tiveram as políticas neoliberais no crescimento dessas desigualdades. No entanto, são poucos os que chegam a assinalar a verdadeira origem dessas desigualdades, que é, precisamente, a exploração do mundo do trabalho pelo mundo do capital. Isto é, aquilo a que se costumava chamar “luta de classes”, termo que, presentemente, não se utiliza, por se considerar, na linguagem moderna, antiquado, que exclui, inclusive, a categoria “classes sociais” (para não falar já da “exploração de classe”) da linguagem permitida pelo saber convencional (quer dizer, o saber permitido e promovido pela estrutura do poder nos meios de comunicação e centros académicos, como Fedea, em Espanha, financiados pelo grande capital e que apresentam tais termos e conceitos como ideologias a marginalizar, ou melhor, a ignorar).
Vejamos, agora, os dados. E comecemos por definir os termos, muito especialmente “exploração”. Exploração de classe é quando uma classe social vive melhor à custa de outra que vive pior. E isto é o que acontece e tem vindo a crescer desde os anos oitenta. E os dados estão aí para quem quiser e não utilize palas ideológicas que lhe impeçam ver a realidade tal como ela é e não como desejaria que fosse lida. Todos os dados que analisaram o crescimento da produtividade (uma variável-chave para determinar o crescimento da riqueza de um país) mostram que esta aumentou nos últimos quarenta anos na América do Norte e na Europa Ocidental. E isto refere-se tanto à produtividade total como à produtividade per capita e por trabalhador. O que quer dizer que a riqueza dos países dos dois lados do Atlântico Norte cresceu muito significativamente. Mas, esta riqueza, resultado do crescimento da produtividade, foi mais para enriquecer o mundo do capital, isto é, os proprietários e gestores das grandes empresas (onde cresceu a produtividade), através do enorme aumento dos lucros empresariais e das retribuições a dirigentes e delegados destas empresas, à custa do escasso aumento dos salários que os trabalhadores recebem. Assim, nos EUA, Lawrence Mishel e Kar-Fai Gee calcularam (e publicaram na revista International Productivity Monitor, Spring 2012) como a produtividade foi crescendo e quem mais beneficiou com isso. Deste modo, “de 1973 a 2011, a produtividade por trabalhador aumentou nada mais nada menos que 80,4%. Contudo, o salário/hora médio aumentou apenas 4%. Na realidade, se os salários tivessem aumentado como aumentou a produtividade laboral, o salário/hora médio deveria ter sido de 27,89 dólares (em dólares de 2011), em vez de 6,07 dólares”. Quase todo o produto gerado pelo crescimento da produtividade foi para o enriquecimento dos lucros das grandes empresas e para compensações aos seus dirigentes. É esta a causa principal do enorme crescimento da concentração da riqueza e do rendimento, nas nossas sociedades, concentração esta, ajudada pelas intervenções do Estado, mais favoráveis ao mundo do capital do que ao mundo do trabalho.
Situação semelhante ocorreu na Grã-Bretanha, França, Itália, Japão, Alemanha, Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. Em todos estes países, o rendimento do capital cresceu muito mais rapidamente do que o rendimento do trabalho, durante o período que vai de 1980 a 2011. Na Alemanha, a descida dos salários foi muito acentuada, a partir das reformas Schröder, também conhecidas como Agenda 2010, cujas políticas fiscais beneficiaram os rendimentos do capital, ao mesmo tempo que as reformas laborais determinaram a descida dos salários (0,5% ao ano), com o que paralisaram a procura interna, estimulando as exportações. Durante este período, a produtividade laboral cresceu 1,3% ao ano, muito acima do crescimento dos rendimentos do trabalho. (Para um desenvolvimento deste tema, ver Wages, Profits and Productivity, de Pete Dolak em Counter Punch, March 28-30, 2014).
As políticas neoliberais facilitaram a enorme descida dos salários. Nos EUA, os salários, hoje, são mais baixos do que em 1968. E o salário mínimo interprofissional é 23% mais baixo do que em 1968, quando Martin Luther King liderou a marcha de Washington, exigindo um salário mínimo de 2 dólares/hora, o que, em dólares de hoje, seriam 15,35 dólares, muito mais elevado do que o estabelecido atualmente, de 7,25 dólares. O presidente Obama está a propor um salário mínimo de 10,10 dólares/hora (o que, em dólares de hoje, são dois terços do que King pedia em 1968!). Outro tanto ocorre nos restantes países citados anteriormente.
Esta informação mostra também, certamente, o desacerto da solução proposta pelo neoliberalismo – que se centra na educação – para corrigir esta descida salarial. Tal proposta ignora que a descida salarial, generalizada em todos os setores, ocorreu quando o nível educativo aumentou. A evidência é clara e contundente. A partir dos anos oitenta, o mundo do capital foi incrementando o seu poder e os seus lucros, à custa do mundo do trabalho e com a ajuda dos Estados. Daí que os primeiros vivam melhor à custa de que os outros (a maioria dos cidadãos, que obtêm os seus rendimentos do trabalho) vivam pior. É a isto que se chamava e deveria continuar a chamar-se exploração.
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Tradução de Maria José Santos (Blogue oqueelesescondem.blogspot.pt
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